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Segunda-feira, 6 Maio 2024

Poesia não é luxo

Devaneio é palavra pouco usada. Seus sinônimos mais usados são, meio que equivocadamente, sonho e quimera. Gosto mais ainda do verbo: devanear. Percebi-me do equívoco quando li um trecho de um autor que não conhecia, mas teve um enorme impacto em mim: existem cantos sombrios em nossa alma que só podem ser iluminados pela chama de uma vela.

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Laurisa Farias
Jornalista brasileira a viver em Coimbra, Laurisa gosta de ouvir e contar estórias. Escreve no dia 6 de cada mês.

Famalicão

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Devaneio é palavra pouco usada. Seus sinônimos mais usados são, meio que equivocadamente, sonho e quimera. Gosto mais ainda do verbo: devanear. Percebi-me do equívoco quando li um trecho de um autor que não conhecia, mas teve um enorme impacto em mim: existem cantos sombrios em nossa alma que só podem ser iluminados pela chama de uma vela. Trata-se do último livro do filósofo francês Gaston Bachelard (1884-1962), “A Chama de uma Vela”.

Encantada com a abordagem poética que ele deu ao binarismo da alma humana estabelecida por Jung, claro-escuro, fui em busca de mais obras daquele professor da Universidade de Sorbonne, de longas barbas brancas. Foi quando descobri seu “Poética do Devaneio”, em que ele afirma que a poética do devaneio dá-nos o mundo dos mundos, e é a poética do cosmos; com isso todo o universo vem contribuir para nossa felicidade. Assim, sonho e devaneio juntam-se para abrir caminho para a felicidade.

Esta introdução um pouco longa tem dois motivos. O primeiro para explicar o motivo do nome desta coluna. O segundo é para dizer que o universo contribuiu imenso para que meus devaneios ganhassem a chancela da Universidade de Coimbra: um grau de mestre em Antropologia Social e Cultural com uma dissertação sobre o impacto da indústria extractiva na vida das mulheres moçambicanas.

Sim, a poética dos meus devaneios era ir ao encontro de meus ancestrais em Moçambique. O que pode ser verdade, muito embora a maioria dos africanos escravizados que foram para o Brasil foram os angolanos. Claro que minha poética do devaneio foi muito marcada por Mia Couto, Borges Coelho e especialmente Paulina Chiziane, únicos autores moçambicanos que conhecia um pouco mais antes de aterrissar na ex-colônia portuguesa no Índico. Chiziane tive o privilégio de dar um abraço e ouvir falar em uma bienal do livro, para a qual trabalhei em 2017.

Mas voltemos para Coimbra e meu percurso acadêmico. Em breve, entro no seleto time, principalmente em tempos de Covid-19, dos que chegam aos 60 anos – Oscar Wilde disse que uma mulher que diz sua idade verdadeira é capaz de qualquer coisa, e eu acho que concordo com o dândi irlandês.

Esta informação sobre minhas quase seis décadas neste planeta é muito relevante. Com exceção de um único professor, que foi também meu orientador, eu era mais velha do que todos os docentes. Não precisa dizer, portanto, como situava-me entre meus colegas de curso.

Fui para Moçambique, passei quase cinco meses fazendo pesquisa de campo, voltei. Era chegada a hora de sentar e trabalhar na dissertação. Escrever é um ato profundamente solitário. E fica mais solitário ainda quando trata-se de não-ficção. Quando se escreve ficção, a solidão é diferente porque os personagens tomam conta de você, ganham vida própria, e você vira apenas um digitador do que eles querem que você diga.

É como você entrar em um mar calmo como um lago e deixar-se ser levada pelas marolas. Já com um texto acadêmico é como subir incessantemente os 125 degraus (sim, eu contei uma vez) das Monumentais da Universidade de Coimbra, só que sem aqueles espaços planos, a cada 25 degraus (também contei), para recuperar o fôlego.

Outra diferença brutal: todas as inseguranças veem à superfície. Aquela chama da vela do Bachelard tremulava dentro de mim. Inseguranças que nem eu sabia que tinha apareceram para me cumprimentar e dizer que eram inquilinas silenciosas que habitavam em mim. Eu retribuía:
– Bem, não posso exatamente dizer que é um prazer conhecer você. Mas não posso dar-lhe atenção agora porque estou bastante atarefada. Continue na sua moradia, permaneça sem fazer barulho. Um dia tomaremos um café juntas e você me conta de onde vem, ok? Boa continuação!
Vencendo – ou mais exatamente apenas reconhecendo a presença de – um medo de cada vez, consegui manter um bom ritmo de trabalho. Daí veio o isolamento imposto pela pandemia. Atônita e por vezes trôpega, retomei a escrita.

A cada capítulo enviado para o orientador, aquele medo secular acordava: e se não estiver bom o suficiente? E se eu não for boa o suficiente? Passei a ser atormentada pela síndrome da impostora. Mas no meio de tudo isso, conseguia, com frequência, rir de mim mesma.
Ma cherie, até Michelle Obama sofre com a síndrome da impostora! Ela disse isso para um auditório lotado, e o vídeo viralizou nas redes sociais!

Enfim, depois de ajustes, edições, subtrações, adições, meu orientador pronunciou o veredicto que tanto aguardava: que o trabalho estava pronto. Fiz o upload na plataforma da Universidade de Coimbra, lacrei. Marcado o gol e “fui pro abraço” quando da defesa da dissertação – no Brasil, usa-se esta expressão quando depois de fazer o gol o jogador vai abraçar seus colegas.

E voltamos aos devaneios. Vou continuar a devanear. Quero e preciso de toda a poética deles porque nestes tempos tão estranhos poesia não é um luxo, como disse bell hooks. É questão de sanidade, acrescento eu.

(A autora escreve em português do Brasil)

 

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Laurisa Farias
Jornalista brasileira a viver em Coimbra, Laurisa gosta de ouvir e contar estórias. Escreve no dia 6 de cada mês.
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