8.1 C
Vila Nova de Famalicão
Sábado, 27 Abril 2024
Dina Coelho
Residente na freguesia de Bairro, é filha de pais surdos e intérprete de língua gestual portuguesa (LGP). Exerce a profissão de intérprete de LGP desde 2015, em vários contextos, mas essencialmente no âmbito educativo. É coautora do livro Por Amor e mestre em gerontologia. Atualmente pertence aos órgãos sociais da Associação de Tradutores e Intérpretes de Língua Gestual Portuguesa (ATILGP) e da Associação de Surdos de Apoio a Surdos de Matosinhos (ASASM).

Em tempos de guerra

A exposição a atos de violência, a incerteza e a falta de controlo relativa ao futuro, o desrespeito pela dignidade humana traduzem-se em possíveis ameaças à nossa saúde psicológica.

6 min de leitura
- Publicidade -
Dina Coelho
Residente na freguesia de Bairro, é filha de pais surdos e intérprete de língua gestual portuguesa (LGP). Exerce a profissão de intérprete de LGP desde 2015, em vários contextos, mas essencialmente no âmbito educativo. É coautora do livro Por Amor e mestre em gerontologia. Atualmente pertence aos órgãos sociais da Associação de Tradutores e Intérpretes de Língua Gestual Portuguesa (ATILGP) e da Associação de Surdos de Apoio a Surdos de Matosinhos (ASASM).

Famalicão

Sessão de jazz este sábado no CRU Espaço Cultural

Com cantor moçambicano radicado em Famalicão

Celebrações dos 50 anos do 25 de Abril em Famalicão

Celebrações de amanhã, quinta-feira, têm início às 10h. Na parte da tarde há um concerto de jazz nos Paços no Concelho.

Polícia Judiciária outra vez na Câmara de Famalicão para investigar viagens pagas a autarcas

O ex-autarca Paulo Cunha é um dos visados num caso de suspeitas de corrupção que envolve viagens à sede da Microsoft nos EUA. Câmara de Famalicão confirma investigações.

Foi por volta das 6h30 da manhã do dia 24 de fevereiro, quando através de uma mensagem no whatsapp soube que a guerra na Ucrânia tinha iniciado. Um aperto no peito, medo… Mil e um pensamentos acerca das repercussões que esta guerra poderia ter passaram pela minha cabeça.

Rapidamente nos prontificamos a ajudar este país, os seus refugiados, e a valorizar o que consideramos as “pequenas coisas da vida”. Mas, sinceramente, pouco tempo depois procurei evitar as notícias da guerra, de forma a minimizar qualquer preocupação e pensamentos negativos. Eu tenho possibilidade de o fazer, mas nem todos têm… Sempre que olho para os meus colegas de profissão, intérpretes de língua gestual em contexto televisivo penso “como é que ainda são capazes? Quatro meses a interpretar diariamente estas notícias que mexem com as nossas emoções?”

Por isso decidi trazer este tema e falar com dois colegas, Liliana Duarte, intérprete na TVI/CNN e Márcio Antunes, intérprete na RTP1, que realizam este trabalho frequentemente, para percebermos como se sentem e de que forma tentam gerir as suas emoções.

Liliana Duarte começa por lembrar a guerra que vivenciamos anteriormente que exigia também destes profissionais uma grande capacidade de controlo emocional “Até à madrugada de 24 de fevereiro, o Mundo habituara-se à guerra contra a covid-19. E tinha sido assim nos quase dois anos que antecederam o conflito militar. Traduzir notícias de mortes, ainda que trágico e avassalador, tinha passado a ser parte do quotidiano de quem trabalha em televisão. Entre estratégias mais ou menos conseguidas, a vida seguia e, eu, como tantos outros intérpretes, fomos lidando com as notícias aos tropeções.”

E de facto a vida seguiu e outra guerra surge entre nós… Liliana refere “A vida seguia… De supetão, a notícia de exercícios militares das tropas russas perto da fronteira ucraniana faz soar os alarmes. Recordo-me de estar a traduzir e a pensar que seria impensável ameaçar a soberania de outro país em pleno século XXI. A Guerra dos homens sobrepõe-se então à guerra pandémica, e em cada reportagem traduzida de destruição, de fome, de tortura, de morte, de separações, de lágrimas… e de crianças que certamente crescerão sem pais – trava-se uma nova guerra que cresce por dentro: – tenta-se, outra vez, evitar o choro. E chora-se. Muito e em direto. E aceita-se sem questionar.”

Márcio Antunes relata o quão difícil é “é duro, principalmente porque senti medo, por ver aquela realidade tão próxima. E as imagens… o que é dito… a forma como nos atinge. Nós não estamos à espera, não sabemos propriamente o que vai ser dito”.

Recorda o primeiro dia “foi dos piores dias que tive nos últimos tempos. Cheguei de manhã à televisão e tinha começado a guerra, levei um programa inteiro com aquela notícia. Eu não sabia o que se estava a passar, não sabia o que estava a acontecer, o que tinha acontecido… a única coisa que tinha visto, foram as poucas notícias anteriores, sabia que ia falar disso mas não com a intensidade que foi. Psicologicamente não estava preparado para lidar com aquela informação toda.” Como estratégia, o intérprete Márcio menciona que “o que faço para me preparar é tentar distanciar quem eu sou do que estou a fazer. Muitas das vezes acabo por me esquecer das notícias que interpretei porque tento não absorver a informação que lá está e ser apenas uma ponte de comunicação.”

Considerei importante ter aqui também a perspetiva e conselhos de um profissional de saúde mental, e daí a colaboração da minha psicóloga, Dra. Marta Ribas da Silva (CP 26350), para percebermos que estratégias podemos adotar de forma a gerir as emoções e os sentimentos decorrentes em situações de crise como esta, da melhor maneira possível.

Marta Ribas da Silva destaca que “Em primeiro lugar, importa referir que, inevitável e naturalmente, uma situação de Guerra nos afeta a todos. A exposição a atos de violência, a incerteza e a falta de controlo relativa ao futuro, o desrespeito pela dignidade humana traduzem-se em possíveis ameaças à nossa saúde psicológica. Deste modo e estando ainda no rescaldo da pandemia, é normativo que nos sintamos chocados, ansiosos, assustados, frágeis, desanimados, desesperançados, impotentes, tristes, entre muitas outras possibilidades. Em segundo lugar, é importante salientar que cada um de nós vive e reage de uma maneira diferente à mesma experiência, ou seja, cada um de nós lida com as suas emoções, pensamentos e sentimentos de maneira distinta e, portanto, é natural que algumas pessoas apresentem, mais do que outras, uma maior dificuldade em gerir toda a carga emocional associada a acontecimentos de cariz perturbador como este. Qualquer que seja a nossa forma de reagir e não podendo controlar este tipo de acontecimentos, é fundamental expressarmos, aceitarmos e “darmos voz” áquilo que, efetivamente, estamos a sentir, para que a nossa adaptação seja mais regulada e facilitada.

A psicóloga refere que é igualmente relevante limitarmos a nossa exposição às notícias (1 a 2 vezes por dia e em fontes fidedignas) uma vez que, estarmos constantemente atentos a todos os detalhes e a toda a informação disponível, pode levar a um aumento da nossa sensação de desespero, da ansiedade e do medo. Uma outra estratégia passa por tentarmos descatastrofizar os nossos pensamentos, vivendo o presente sem especular muito acerca do futuro ou do “pior cenário que pode acontecer”, lidando com todas as mudanças e desafios à medida que estes vão surgindo.

Além disso, Marta Ribas da Silva acrescenta que partilhar a forma como nos sentimos com familiares e amigos reforça que não estamos sozinhos e que nos podemos apoiar uns aos outros, promovendo uma maior sensação de bem estar e de pertença. Manter a nossa rotina, investir no autocuidado e nas atividades que nos dão prazer são formas fulcrais de contribuir para a nossa saúde psicológica: ajuda-nos a aumentar o sentimento de segurança e a não ignorar que existem, igualmente, coisas boas a acontecer na nossa vida.

“Não poderia deixar de referir o nosso papel em reforçar a esperança através do apoio e das contribuições que podemos dar, enquanto comunidade, para não só minimizar o impacto da guerra, mas também aumentar a nossa perceção de controlo e de utilidade e os nossos sentimentos de propósito, compaixão e solidariedade. Por último, mas não menos importante, é crucial avaliarmos e monitorizarmos a nossa saúde psicológica e procurar ajuda sempre que sintamos que “algo não está bem” (mesmo que isso implique “não saber o que se passa”) ou caso existam pequenos sinais ou alterações que começam a limitar a forma como vivemos o nosso dia a dia”, destaca Marta Ribas da Silva.

E termino mais uma vez com a Liliana Duarte, que provavelmente descreve que nem uma luva o trabalho que é feito por este profissionais por eles mesmos: “A vida segue… Cria-se uma dimensão fechada numa redoma de vidros baços que coexiste com a realidade lá fora; cruzam-se os dedos à espera de que o efeito de dormência dure apenas o tempo noticioso. Mas a guerra dura para além disso e, como não tem data para findar…carregam-se baterias para o dia a seguir, como quem, com o mesmo afinco, lá longe, carrega as armas para o minuto seguinte, porque o amanhã nem sempre chega.”

Admiração por todos os que lidam com isto diariamente. Obrigada.

Comentários

Dina Coelho
Residente na freguesia de Bairro, é filha de pais surdos e intérprete de língua gestual portuguesa (LGP). Exerce a profissão de intérprete de LGP desde 2015, em vários contextos, mas essencialmente no âmbito educativo. É coautora do livro Por Amor e mestre em gerontologia. Atualmente pertence aos órgãos sociais da Associação de Tradutores e Intérpretes de Língua Gestual Portuguesa (ATILGP) e da Associação de Surdos de Apoio a Surdos de Matosinhos (ASASM).
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -

Atualidade

Celebrações dos 50 anos do 25 de Abril em Famalicão

Celebrações de amanhã, quinta-feira, têm início às 10h. Na parte da tarde há um concerto de jazz nos Paços no Concelho.

Paulo Cunha será o quarto deputado famalicense no Parlamento Europeu

O ex-autarca de Famalicão é o número dois da candidatura da Aliança Democrática.

Polícia Judiciária outra vez na Câmara de Famalicão para investigar viagens pagas a autarcas

O ex-autarca Paulo Cunha é um dos visados num caso de suspeitas de corrupção que envolve viagens à sede da Microsoft nos EUA. Câmara de Famalicão confirma investigações.

Feira apresenta aos alunos oferta formativa do ensino secundário

Evento destinado aos alunos do 9º ano foi realizado no CIIES, em Vale São Cosme.

Finalistas do ensino secundário discutiram os valores de Abril com autarcas locais

Encontro entre jovens e autarcas aconteceu na Casa da Juventude de Famalicão.

Comentários

O conteúdo de Notícias de Famalicão está protegido.