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Vila Nova de Famalicão
Sexta-feira, 26 Abril 2024
Raphael de Souza
Nasceu em 1997 em Vila Nova de Famalicão. É licenciado em Línguas e Literaturas Europeias pela Universidade do Minho. É também mestre em Língua, Literatura e Cultura Inglesa pela mesma academia, com tese em Literatura Norte-Americana. Apaixonado pela Literatura desde cedo, começou a escrever poesia aos 15 anos, aventurando-se atualmente pela Ficção. É co-fundador do projeto “Sarcasmos Irónicos”, que visa dar palco a novos escritores.

Orhan Pamuk vs Peter Handke – Dois Nobéis contestados, dois conceitos diferentes

Dois escritores que arrastam consigo um historial de críticas e polémicas.

10 min de leitura
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Raphael de Souza
Nasceu em 1997 em Vila Nova de Famalicão. É licenciado em Línguas e Literaturas Europeias pela Universidade do Minho. É também mestre em Língua, Literatura e Cultura Inglesa pela mesma academia, com tese em Literatura Norte-Americana. Apaixonado pela Literatura desde cedo, começou a escrever poesia aos 15 anos, aventurando-se atualmente pela Ficção. É co-fundador do projeto “Sarcasmos Irónicos”, que visa dar palco a novos escritores.

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Caminhos da Liberdade em Vila Nova de Famalicão

Locais onde se fez resistência à Ditadura Salazarista

“Diz NÃO à liberdade que te oferecem,
Se ela é só a liberdade do que ta querem oferecer.
Porque a liberdade que é tua não passa
pelo decreto arbitrário dos outros”
– “Dizer Não”, por Vergílio Ferreira.
In “Conta-Corrente 1”

Orhan Pamuk e Peter Handke são dois escritores dos nossos tempos que foram galardoados pela Academia Sueca com o Prémio Nobel da Literatura, o mais alto e nobre galardão atribuído na área da Literatura e que qualquer escritor, provavelmente, sonha em ganhar.

Apesar de terem sido distinguidos com tão nobre prémio, são, em simultâneo, escritores que arrastam consigo um historial de críticas e polémicas que acabaram por cair também sobre os próprios critérios de atribuição do prémio.

Na reflexão deste mês, pretendo, através da análise de “O Castelo Branco” (Orhan Pamuk) e de “A Mulher Canhota” (Peter Handke), perceber que conceitos são levantados em ambas as obras pelos seus respetivos e auferir se os mesmos contribuem para as polémicas que assolam ambos os autores visados.

A obra “O Castelo Branco” fala de história de um estudioso italiano que faz uma viagem marítima entre em Veneza e Nápoles e que, no meio do caminho, é escravizado pelo exército otomano. A história é narrada pela própria “vítima” (cujo nome não é revelado em nenhuma parte do enredo) e começa no exato momento em que a embarcação, devido à hesitação do capitão (amedrontado com a presença otomana), é capturada pelo inimigo. Os escravos que levavam são libertos e a tripulação é escravizada. Devido aos seus conhecimentos de medicina, astrologia e de navegação, o “narrador”, fazendo-se passar por médico, salva a sua pele.

Encarcerado em Istambul, passa a tratar das enfermidades dos restantes prisioneiros e dos guardas prisionais. Aprende a falar turco com um colega e, devido à sua fama de médico, é chamado secretamente ao Pasha para lhe curar a falta de ar. Devido aos seus conhecimentos de Engenharia, é entregue a Hoja (um homem muito parecido com o narrador) e ambos são contratados para criarem uma magnífica cerimónia de fogo de artifício para celebrar o casamento do filho do Pasha.

Após o sucesso da missão ambos (e após várias recusas por parte do Narrador em converter-se ao Islão), Hoja passa a ser o tutor do Narrador e o narrador passa a ensinar-lhe tudo o que sabe sobre astronomia e astrologia, pois Hoja quer obter uma posição extremamente favorável perante o Sultão (também mencionado no enredo como “o Soberano”). Durante anos, sobre requisição do Pasha e do próprio Sultão, trabalham na invenção de um instrumento diabólico de guerra que seja capaz de derrotar todo e qualquer inimigo do Islão.

Um dos temas mais presentes (e acaba por representar um fio condutor do enredo) em “O Castelo Branco” é a religião e o autor aborda na obra a rivalidade religiosa entre o Cristianismo e o Islamismo, algo bem assente na herança cultural turca/otomana.

Podemos logo auferir essa questão na parte inicial da história, quando a embarcação turca chega a Istambul com os prisioneiros e há uma cerimónia grandiosa com a assistência do Sultão em que as bandeiras do Império ficavam em riste e as bandeiras cristãs, mais baixas que as otomanas, permaneciam de “pernas para o ar”. Assim como as bandeiras, todos os outros símbolos cristãos (crucifixos, imagens da Virgem Maria) são igualmente colocadas ao contrário.

Este antagonismo religioso transparece para as pressões que o narrador sofre para que se converta ao Islão (pois, devido às suas habilidades, querem mantê-lo como uma peça no jogo), levando mesmo à uma quase-decapitação (tendo sido salvo por Hoja, que pediu a Pasha que lhe desse os direitos de escravatura sobre ele).

Este ódio islâmico aos cristãos leva também ao enorme projeto de construir uma máquina de destruição maciça para destruir os inimigos de Maomé e tornar o mundo em um lugar perfeito. Maomé é uma referência constante no enredo. É também de salientar que, sempre que se referem aos Cristãos, usam sempre o termo “inimigos” (ou, noutros casos, “infiéis”).

A Ciência (e, aliado à mesma, o conhecimento e a busca da perfeição) é outra temática que é bastante abordada na obra, mas ela surge como uma ferramenta subordinada aos interesses políticos e religiosos. Hoja tem uma paixão por assuntos relacionados com a astronomia e a astrologia e pede ao seu escravo que lhe ensine tudo o que sabe sobre as áreas.

Entretanto, para irritação de Pasha, Hoja torna-se próximo do jovem Sultão (uma criança) e este passa a confiar nele, chegando Hoja, inclusive, a interpretar os seus sonhos como forma de prever acontecimentos. Hoja anseia tirar partido do Sultão e conseguir também o cargo de Astrólogo Imperial, já que o astrólogo em funções fora assassinado. Esse assassinato mostra-nos também a lado corrupto da Ciência enquanto ferramenta política.

Esta busca pelo conhecimento e pela perfeição (e também por tão honrado cargo) acaba por trair Hoja e vemos esta “traição” com a falha da máquina de guerra que o Sultão e que Pasha tanto almejavam, pois, quando as tropas a tentam usar na tomada do Castelo de Doppio, a tão invencível máquina revela-se uma sucata.

“A Mulher Canhota” conta-nos a história de uma mulher de 30 anos que vivia numa colónia de bungalows situada numa cidade industrial da Alemanha Ocidental. Seu nome é Marianne, é casada com Bruno (um gestor de vendas que está em viagem de trabalho em Helsínquia) e ambos têm um filho de 8 anos chamado Stefan.

Bruno, assim que regressa, fica feliz por ver sua família, pois sentia-se sozinho em Helsínquia e pensava bastante neles. O casal vai jantar a um hotel e deixa Stefan a dormir em casa. No dia seguinte, numa típica e singela conversa de casal, Marianne fala-lhe de ideia “estranha” que lhe assolou a cabeça (quase como uma espécie de epifania). Essa “epifania” consiste em que ambos se deviam separar. Bruno, pensando que seria algo que não duraria muito tempo, concorda com a ideia.

Durante o resto da história, a mãe de Stefan tenta reorganizar a sua vida (apesar de todas as pressões sociais que sofre) e cuida do seu filho. Consegue também um emprego como tradutora. Num passeio pela rua com o seu pai, ambos conhecem um ator que o pai de Marianne conhecia da televisão. O ator fica fascinado por Marianne e acaba por segui-la. Mais tarde, encontra a sua “musa” num café e confessa que gosta dela e que a deseja.

A história acaba numa festa organizada em casa de Marianne em que Bruno, Franziska (professora de Stefan e amiga de Bruno), Ernst (editor de Marianne) e seu motorista, o ator e uma vendedora (a quem Marianne comprou uma camisola para Bruno) aparecem. A festa é rodeada de acontecimentos cuja sequência e sentido não são lógicos.

Este livro, apesar de ter sido escrito por um autor do sexo masculino, tem uma marca feminista. Este feminismo manifesta-se no retrato que Handke faz de uma mulher que se separa de um marido por vontade própria e tenta, como disse acima, reorganizar sua vida e adaptar-se a uma nova realidade em que, ainda por cima, também tem uma criança para criar.

Algo que pode ter levado à ideia da separação é o facto de Bruno, após dizer a Marianne que a amava muito e que pensava muito nela, afirma que, agora que a viu, pensa que até poderia viver sem ela (uma contradição). Ainda assim, Bruno não aparenta ser um homem violento ou maldoso ou alcoólico (apesar de cheirar ligeiramente a álcool quando encontra Marianne no aeroporto) e nem apresenta sinais de traição, podendo também representar um paradoxo.

Enquanto ela tenta criar uma vida sem Bruno, ela sofre várias pressões para se enquadrar no conceito de “mulher”. As pressões mais diretas vêm de Franziska (professora do seu filho Stefan e companheira de casa de Bruno), que a tenta várias vezes convencer Marianne a juntar-se a um grupo de mulheres (sem sucesso, pois Marianne não gosta da ideia).

Quando Franziska lhe pergunta se deseja ser feliz, esta responde que não quer ser feliz e que “tem medo de ser feliz”[1]. Esta “mulher canhota”  também sofre pressão (embora indireta) do seu editor (cujo nome apenas sabemos ser Ernst no final do livro), que a avisa várias vezes que está a cair num abismo depressivo muito profundo.

Marianne também dá a ideia de que, apesar de Bruno parecer ser um bom marido e bom pai, poderia porventura não ter voz suficiente enquanto ser humano enquanto vivia com Bruno. Esta ideia surge indiretamente quando ela, numa noite, tenta traduzir uma frase de um livro em francês que, aparentemente, diz “Na terra do ideal: espero que um homem me ame por aquilo que sou e por aquilo no qual me devo tornar”[2].

Seu carácter mais depressivo pode derivar da personalidade de seu pai, um velho escritor que está infeliz com sua vida e que, quando reconhece um ator desempregado numa loja, diz-lhe que deveria arriscar mais na sua vida e não jogar tanto “pelo seguro” (isto pode ser também uma indicação também dirigida para Marianne). Este conselho é levado tanto a sério pelo ator (cujo nome jamais é revelado pelo autor na história), que este, apaixonado por Marianne, corre atrás dela.

Em adição ao que afirmei no início do parágrafo anterior, este caminho de independência que Marianne trilha provoca desagrado a Bruno (que, como disse anteriormente, achava que a separação seria temporária). Este mostra-nos mais abertamente seu caráter tradicionalista ao falar de forma mais bruta para Marianne, pois já não consegue lidar com sua frustração. Sua frustração é tão forte que, ao conhecer o ator na festa que ocorre na casa de Marianne, acaba por encetar uma luta com ele.

Contudo, este acontecimento está cercado de paradoxo, pois, assim que a luta acaba, continuam a festa como se nada fosse. Este desejo de independência e a busca incessante por uma vida diferente por parte de Marianne também pode derivar do seu filho Stefan, que, como vemos no início da história, escreve um artigo para a escola cujo tema é o seu conceito pessoal de “vida melhor”.

Orhan Pamuk e Peter Handke são diferentes nos assuntos que abordam nas obras analisadas, mas abordam questões bastante atuais no panorama político-social a nível mundial.

Pamuk (que, como disse no início do ensaio, tem fama enquanto ativista político) traz-nos a questão política e religiosa para “O Castelo Branco” e mostra-nos a dimensão dos “arrufos” entre os Cristãos e os Muçulmanos no cenário do Império Otomano, algo que ficou na herança cultural da Turquia.

Adiciona a isto a questão da ciência enquanto arma do jogo político e religioso e como a busca incessante por conhecimento e pela perfeição pode trair uma pessoa e desviá-la daquilo que os religiosos tanto chamam de “caminho da virtude e da felicidade”.

Já Peter Handke, traz-nos o assunto do feminismo e da posição da mulher na sociedade; faz, através da sua “heroína” Marianne, um retrato sociológico daquilo que se espera da mulher na sociedade e aborda a psicologia por detrás dessa mesma personagem. Mostra-nos uma mulher que, apesar das pressões diretas e indiretas que sofre ao longo da narração, não se deixa desviar do seu caminho de independência e que mostra que uma mulher, para ser feliz e se estabelecer, não precisa de estar casada. A esta tarefa difícil, pode-se adicionar a tarefa quase hercúlea de se criar um filho sozinho. O título “A Mulher Canhota” remeto para o facto de “canhoto” também significar “desajeitado” e, na crença popular, uma pessoa canhota simbolizar o “diabo” (daí se ensinar antigamente nas escolas que se só era correto escrever com a mão direita).

Handke, apesar de ser criticado por suas aparentes visões políticas, transpira mais nas suas obras uma expressão existencial e psicológico e sociológico dos personagens do que propriamente uma expressão política. Pode-se verificar este facto em obras como “Os Belos Dias de Aranjuez” e “A Angústia do Guarda-Redes antes do Penalty”. “A Mulher Canhota” é também uma obra que, apesar da abordagem psicológica, contém uma ausência de sentimentalidade, pois os personagens expressam-se sempre de uma forma seca e austera, sem recurso a emoções.

[1] Página 30, 8º parágrafo

[2] Página 21, 1º parágrafo

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Raphael de Souza
Nasceu em 1997 em Vila Nova de Famalicão. É licenciado em Línguas e Literaturas Europeias pela Universidade do Minho. É também mestre em Língua, Literatura e Cultura Inglesa pela mesma academia, com tese em Literatura Norte-Americana. Apaixonado pela Literatura desde cedo, começou a escrever poesia aos 15 anos, aventurando-se atualmente pela Ficção. É co-fundador do projeto “Sarcasmos Irónicos”, que visa dar palco a novos escritores.
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